Procuro nas palavras amarrotadas
a significância de pequenos nadas
que povoam a minha insanidade
quero as minhas acções explicadas
nas palavras que foram rasuradas
nas entrelinhas busco uma verdade
Junto pedaços de páginas rasgadas
leio palavras ufanas e desgraçadas
que me ocultam a bendita felicidade
esquadrinho as poesias abençoadas
tentando aprender origens sagradas
e libertar-me desta hostil orfandade
Ajeito poemas com letras plagiadas
alinho ideias há muito desalinhadas
sem lhes obter a melhor visibilidade
escrevo com tintas foscas, desbotadas
frases incoerentes, apenas embaçadas
faço-o por mero prazer e necessidade
Habituamo-nos desde pequenos à higiene, tanto em nós como nos outros e nos lugares que passamos a frequentar, ou não, conforme a diferença de limpeza que apresentam.
Sou tudo o que a minha imaginação fez de mim. Existem espelhos mais sinceros que todas as minhas ideias de mim, que todas as minhas reflexões interiores, que tudo o que fizeram de mim. Por não acreditar em nada, nem mesmo em mim, fui perfilhado pela criação mais sombria de toda a humanidade. E ele é mau, e vingativo, e hedonista, e tudo me seria permitido se ao menos a minha crença nele existisse. Mas apesar de ele não existir, ele me perfilhou, e só não lhe agradeço, ó Lúcifer, porque tudo é ilusão, incluindo a minha própria presença aqui, neste espaço físico - assim se chama segundo me ensinaram. Mas apesar de tudo, há emoções no profundo abismo aberto no meu coração. E sou triste e sozinho. E há em mim desilusão e destempero. E tempos houve que em mim se acendiam iras e invejas, e urdiduras contra os indefesos. E se em tempos houve loucura, hoje existe lucidez, e é contra isso que eu sou indiferente porquanto toda esta realidade será, provavelmente, um mísero sonho de alguém. Ou, quem sabe, uma mera rasura num poema amassado esquecido num bolorento canto de um quarto inabitado...